Maternidade após o diagnóstico e tratamento do câncer: um sonho possível

A Sociedade Americana de Câncer (American Cancer Society – ACS) acabou de publicar seu relatório anual com resultados promissores: a taxa de mortalidade por câncer tem diminuído ao longo dos anos e quase 4,5 milhões de mortes foram evitadas nos Estados Unidos de 1991 devido à adoção de medidas como redução do tabagismo, à detecção precoce de alguns tipos de câncer e aos avanços nos tratamentos oncológicos. As taxas de sobrevida em 5 anos aumentaram de 49% na década de 70 para 69%.
Nas últimas três décadas houve um progresso extraordinário na pesquisa do câncer com consequente redução da mortalidade que reduziu em um terço nesse período. A taxa de sobrevivência em 5 anos para todos os tipos de câncer combinados aumentou de 49% na década de 1970 para 69% durante 2014-2020. Um dado, entretanto, chamou a atenção: a incidência de câncer em mulheres abaixo de 50 anos foi 82% maior quando comparada aos homens. Embora o dado não seja novo, os números vêm crescendo nos últimos 30 anos e a diferença entre homens e mulheres se amplia cada vez mais por motivos ainda não esclarecidos, mas é provável que obesidade, exposição a toxinas ambientais e disruptores endócrinos estejam envolvidos.
O câncer de mama é o responsável por grande parte da diferença visto que a incidência em mulheres com menos de 50 anos tem aumentado mais rapidamente do que em mulheres mais velhas, assim como o câncer de intestino. As mulheres também apresentam maior incidência de câncer de tiroide e obviamente do colo do útero e útero. Segundo dados do Instituo Nacional de Câncer (INCA), no Brasil, a estimativa para o triênio de 2023 a 2025 aponta que ocorrerão 704 mil casos novos de câncer, 483 mil se excluídos os casos de câncer de pele não melanoma. Nas mulheres, os tipos mais frequentes são: os cânceres de pele não melanoma, com 118 mil (32,7%); mama, com 74 mil (20,3%); cólon e reto, com 24 mil (6,5%); colo do útero, com 17 mil (4,7%); pulmão, com 15 mil (4,0%); e tireoide, com 14 mil (3,9%).
O aumento da incidência de câncer em mulheres jovens aliado à tendência mundial de adiamento da maternidade é motivo de preocupação. Os avanços obtidos em oncologia nos últimos anos melhoraram significativamente o prognóstico de mulheres com câncer, mas muitos dos tratamentos usados como a quimioterapia e a radioterapia podem afetar a fertilidade destas mulheres. Os efeitos da quimioterapia e da radioterapia na fertilidade dependem de vários fatores: droga ou tamanho/localização do campo de radiação, dose, intensidade da dose, método de administração, doença, idade, reserva ovariana pré-tratamento e paridade. A boa noticia é que há opções seguras e eficazes disponíveis para manter a capacidade reprodutiva para aquelas que assim o desejarem
Neste contexto, é preciso esclarecer que a preservação de fertilidade em mulheres e com câncer é possível e segura através da realização de cirurgias conservadoras ou por técnicas de reprodução assistida (congelamento de óvulos e embriões. A preservação de fertilidade em mulheres com câncer tem como premissa fundamental o desejo e o potencial da mulher em gestar com segurança e sem piorar os resultados do tratamento. Para tanto, a seleção criteriosa da paciente e o atendimento por equipe multidisciplinar assim como e a avaliação com especialista em reprodução assistida são passos essenciais. Tais medidas resultam em menores taxas de arrependimento, mesmo quando a paciente opta por desistir do tratamento conservador. ou do congelamento de óvulos ou embriões.
As melhores evidências publicadas se concentram em gestações após o câncer de mama , que é o mais frequente e sugerem que a gravidez após o câncer não menta o risco de recorrência da doença, portanto, não deve ser proibida após o término do tratamento. Assim, a recomendação das principais sociedades de oncologia e medicina reprodutiva é que as mulheres sejam amplamente informadas e que oncologistas e especialistas em medicina reprodutiva trabalhem em conjunto para oferecer a melhor opção em termos de segurança e eficácia com manutenção da qualidade de vida destas mulheres.
A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) recomenda que a gestação seja planejada para uma dois anos após o término do tratamento oncológico e que o pré-natal seja acompanhado por equipe multidisciplinar especializada envolvendo obstetra se oncologistas. A FIGO reforça que a maioria das mulheres submetidas a tratamentos oncológicos não apresenta risco aumentado de complicações na gravidez, como aborto espontâneo, ou hipertensão arterial, mas o a individualização do cuidado é essencial .
Márcia Mendonça Carneiro, Ginecologista do Biocor Rede D’Or, Professora Titular- Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG